O novo Bolsa Família, lançado em março de 2023, gerou um fenômeno que pode ser chamado de “fuga da precariedade”. Ao prover uma renda mínima, o programa deu aos beneficiários a opção de recusar ou abandonar ocupações de “baixíssima qualidade, marcadas pela informalidade, instabilidade e baixa remuneração”, principalmente entre as mulheres com responsabilidades de cuidado. Não perca nenhuma notícia, CLIQUE AQUI e siga nosso grupo no WhatsApp.
É o que aponta o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) denominado: “O efeito do aumento no valor das transferências de renda sobre a inserção dos beneficiários no mercado de trabalho: uma análise com dados em painel da PNAD-Contínua”.
A pesquisa demonstra que o valor mínimo do Bolsa Família de R$ 600 por domicílio não representa um desincentivo generalizado ao trabalho. Pelo contrário, “os dados indicam que o aumento do benefício não gerou um incentivo para que os trabalhadores migrassem de empregos formais para informais”.
Ou seja, a evasão da força de trabalho se concentrou em ocupações precárias e informais, tais como: indivíduos que já estavam desocupados; trabalhadores domésticos sem carteira e trabalhadores familiares auxiliares.
O estudo conduzido pelos pesquisadores Ricardo Campante e Fábio Soares utiliza como recorte o período de transição do valor da transferência de renda de R$ 400, do antigo programa Auxílio Brasil, para o mínimo de R$ 600 do Bolsa Família, que vai do início da crise sanitária da Covid-19 em 2020 até o primeiro semestre de 2023.
Utilizando dados longitudinais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-C), o estudo busca isolar o impacto do aumento do benefício de outras dinâmicas macroeconômicas e das peculiaridades dos beneficiários.
Perfil
O público que deixou a força de trabalho tem um perfil muito claro, segundo os pesquisadores, mulheres e, especialmente, mulheres com crianças de até dez anos, da Região Nordeste, do meio rural, com baixa escolaridade e em domicílios com renda líquida do benefício mais baixa.
O estudo ainda aponta que o “principal motivo, declarado por 34,4% do grupo, foi a necessidade de ‘cuidar dos afazeres domésticos, do(a) filho(a), ou de outro(a) parente’. Este dado conecta diretamente o perfil demográfico identificado (mulheres com filhos) com a decisão de sair do mercado de trabalho, reforçando a interpretação de que a economia do cuidado desempenha um papel central nesse fenômeno”.
Trata-se de uma conclusão que vai ao encontro com estudos relacionados ao trabalho de cuidados. Dados extraídos da própria PNAD, revelam que as mulheres brasileiras produzem 81,7% dos bens e serviços necessários à sustentação e à reprodução da vida no país.
Em 2022, quase um terço das mulheres com 16 anos ou mais que não procuraram emprego, não estavam disponíveis ou não podiam trabalhar declararam responsabilidades de cuidado como motivo; entre os homens, 3,5%.
Entre mulheres com filhos menores de três anos, mais de 80% atribuíram a indisponibilidade para o trabalho remunerado em decorrência do cuidado de crianças e familiares (realidade de menos de 15% dos homens na mesma situação) (PNAD-C/IBGE).
A análise dos estudiosos do Ipea revela que o desenho do Bolsa Família, que considera o número de pessoas que vivem no domicílio para a distribuição dos recursos, com prioridade para crianças e adolescentes, representa um avanço, “pois a concessão de benefícios variáveis por composição familiar após o piso, corrige distorções e melhora a focalização em famílias maiores”.
O programa paga benefícios adicionais de R$ 150 para crianças de zero a seis anos e R$ 50 para crianças e adolescentes entre sete e 18 anos incompletos, gestantes e nutrizes.
“Em termos do desenho das políticas públicas para além da transferência de renda, investimentos nos serviços de cuidado para crianças em idade pré-escolar e idosos que necessitam de cuidado contínuo são essenciais não só para o bem-estar das crianças e dos idosos, mas também por potencialmente reduzirem o custo, particularmente para as mulheres, da opção pelo trabalho fora de casa e formal (menos flexível que o trabalho informal)”, finaliza o estudo.
Com informações do MDS